Bianca Noite
Se pudesse viver de lembranças vivia,
Perdia-me na minha mente, em mim
Apenas vivendo os doces momentos
Momentos esses em que existia...
Agora sou uma cascata sem fim,
Um fundo poço de tormentos
Castigando-me e lamentando-me assim
Lambendo todos os meus ferimentos
Mas dia após dia nada melhora
Desde o alvorecer ao entardecer
Sonho sem sonhar e vivo sem viver
Vou apodrecendo, não há nada, e tudo piora
Vou vivendo, esperando a minha melhora
Mas sem me iludir, porque disto não vou morrer
Bianca Noite
Olho para o nada de mim, temendo a loucura
Temendo a tempestade que me vem assombrar
Temendo o nada que é a minha sepultura
E esta solidão que me está a matar
Dói-me tudo por dentro, nada fica, nada
Sonho com a noite que nunca mais vou acordar
Sinto-me endurecer, e não quero, estou aterrorizada
Consumo-me por não querer, nem conseguir chorar
E tu, ai, bem, andando, rindo, sonhando
Então pergunto porquê, grito, rasgo-me
E não há nada ninguém, que me veja
Tudo continua, tudo anda, e eu mato-me
O mundo ignora-me e eu acalmo-me
Não há alegria que anteveja
E eu, eu sou doida
Vou ficando meus queridos vou ficando
Uma pobre louca, no mundo, perdida
Bianca Noite
Quem sou eu? Neste momento sou nada
Um reflexo no espelho banhado em lágrimas
Uma imagem, em mil pedaços partida
Quem sou eu? Nada, estou perdida nestas tramas
Perdida, só sinto dor, sou-a de todo
Desfiada, rasgada e embaraçada, tantas mágoas...
Quem sou eu? Ninguém, um coração partido
Moribunda, sem o estar, e isso revolta-me mais
Vazia de emoções, mas com a pior de todas bem no fundo
Quem sou eu? Tudo, sem ser nada demais
Vazia até ao tutano, Não há nada, ninguém
E eu quero, como tudo o que fui, desaparecer também
Bianca Noite
Amo-te tanto, E sei também que não devia
Não devia amar-te assim, não devia perdoar-te assim
Não devia pensar sequer em ti, relembrar-te muito menos
Mas assombra-me tudo isso que eu queria
Estou perdida, sinto-me sem vontade e sem fim
Nem pensas em mim, e tu até estás nos meus sonhos...
A raiva que me jorra no peito, não é mais que mágoa
Revolta porque me iludis-te até ao fundo, até ao ermo
Tenho-me a mim, a minha mísera vida, e mais nada
Sou a pobre coitada porque me tomas, isso mesmo
Sim sou isso, arrogante e insegura, até ao âmago
O fel que se instalou na minha garganta não mente
Sou perversa, louca, mas humana, e demasiado crente
Terei que pagar por querer na minha vida um pouco de luz?
E vou pagando, como pago, pago com sangue, carne e osso
Que mais tenho eu para além disso? A beleza do mundo que me seduz?
Pago também, deixando de a ver, Tudo isto é demasiado precioso
Para mim, pelo menos para mim. E desafio, o resto
Será por isso? Com certeza, com certeza que nem presto.
E nem sei, pobre de mim, sou cega
E continuo a amar-te, amar-te cegamente
Nem quero ir, nem penso que já chega
Apenas sonho ter-te para sempre
Que voltes, amando-me, como talvez nunca o tenhas feito
Salvando-me desta dor que me consome, um acaso perfeito
Mas nada, continuo a pagar com o que sou por ti
Amando-te demais para suportar não te odiar
E espero, como uma devota, ansiosa, aqui
Sei que não virás, isto mata-me, sou louca por aqui continuar.
Mas temo a ideia de não te voltar a tocar
Quando ela me alcança, berro, enlouqueço, arranho-me, mato-me
Eu sou uma pobre coitada, eu sei, tu não virás salvar-me...
Bianca Noite
Sou um mar de lágrimas por chorar,
Água estagnada que não tem por onde escoar,
Sou agua fétida, podre, corrompida
E nada me pode voltar a purificar
Pois há muito que fiquei na sombra perdida
Amo a luz desejo-a, faço tudo por ela
Mas no fundo não a tenho, apenas sonho tela
Afasto-me tanto do que sou, só para essa doçura provar
Que quando volto a mim, dói-me ainda mais perde-la
E de mim, não há nada que me possa salvar
Perdi-me, fugindo da minha apaixonada loucura
Mas é isto que sou, uma paixão sem cura
Amo de tal forma amar, que me esqueço do que sou
Sou a irritante chuva de um dia de verão,
Rego as plantas, acaricio tudo em que toco com devoção
Mas por muito amor ao mundo, todo ele me desprezou
Bianca Noite
O azar está na minha cabeça,
Transformarei a caca de pombo em flores,
As quedas em movimentos de graça,
A chuva no futuro a esperança.
E rir-me-ei de todas estas dores
Preocupo-me demais, eu sei,
Sou feliz mesmo com tudo errado
Coisas estas que nunca imaginei
Mas agora olham-me porque amei
E não me arrependo de ter amado
Sonhos, pequenos pássaros que nos cantam
E com o seu cantar choroso nos encantam
Mas nada sou para julgar, nada sou para calar
Eu adoro-os, choro-os, agarro-os, eles levam-me
No seu canto já premeditado, já fadado, elevam-me
E sabendo tudo isso, jamais os deixarei de amar